O Evangelho de Paritosh Keval.
Neste livro, eu me arrisco inteiro e confesso alguns pecados de amor que até podem chocar alguns espíritos despreparados para o sublime. Aqui eu defendo ideias libertárias, exponho meus avessos lógicos, e abro meu coração, sem restrições. Claro que o contraditório também é bem vindo, pois sou democrata, e a priori concedo a palavra aos que pensam diferente de mim. Não só lhes concedo a palavra: dou-lhes a voz. Aos que pensam como eu, dou-lhes um abraço e um buquê de rosas vermelhas. E lhes daria também um copo de vinho, se estivessem mais perto...
Acontecimentos, situações e amores que aqui não estão, é porque já foram contados e amados nos livros Teoria do Acaso ou Solidão a Mil.
Prefácio
Paritosh Keval é para mim o que Louis Lambert foi para Balzac. Mas com um diferencial significativo: enquanto Balzac fez com que Lambert o seguisse, no meu caso é Paritosh quem me guia. Desde que chegou da India, em 1984, esse mestre tântrico e maluco tem me levado a lugares impensáveis. Foi com ele que aprendi a saltar profundo. Foi com ele que aprendi a ser mais humano, mais delicado, mais inocente — e mais alegre. Paritosh é tão bom para mim, e me trata de uma forma tão docemente pura, que sou tentado a tratá-lo como a um anjo. Meu anjo da guarda. Ele cuida de mim. Quando não posso ligar para minha Mãe, é ele quem liga em meu lugar. E minha Mãe o adora como a um filho predileto.
Ninguém me conhece tão bem quanto ele. Sabe de cor os meus poemas, arruma os meus papéis, organiza minhas lembranças, atualiza meus arquivos, carrega minha agenda. Vai buscar os meus amores que moram longe, me traz café na cama, me avisa dos perigos que a noite tem. Me ensinou a cozinhar, a fazer bolo de hortelã, a colocar framboesa num copo de Amaretto. Me ensinou a tomar absinto e a fazer vinho. Aliás, foi com ele que aprendi a gostar de vinhos franceses. Foi com ele que aprendi a gostar de arquitetura, de jardinagem, de sinuca e Maria-mole. Paritosh é um jogador, no sentido mais profundo da expressão. Joga bem, vence quase sempre, mas às vezes concede-me o direito de supor que o venci.
Quanto a este livro, houve entre nós um certo desacordo no tocante ao título. Eu queria que se chamasse "Não estou à Venda", mas Paritosh convenceu-me a correr o risco de ofender as igrejas e aceitar "O Evangelho de Edson Marques". A seleção dos textos foi dele, inclusive a revisão gramatical. Considerei o título um exagero, auto-promocional, mas ele o justificou, escrevendo no espelho da sala: Da genialidade para a loucura é apenas um passo, Edson. Dê dois.
Veremos no que vai dar. Porém, o importante para mim é que os leitores se deliciem com a leitura. E que dancem com nossas metáforas.
O resto é secundário.
Edson Marques.
Toda mudança requer um plano. Às vezes, plano esboçado em folha de papel, outras vezes, plano intuído no cérebro da gente. Mas a mudança mais gostosa é aquela que só requer um plano inclinado, por onde vamos deslizando em óleo de amêndoas, como se fosse no corpo de um grande amor. Deslizamos até a borda — e então saltamos no vazio do belo escuro azul brilhante profundo da vida. Mas tem hora que a gente verbaliza mudanças sem atitude que lhes corresponda. Também faço isso, muitas vezes. Será vontade real de mudar alguma coisa sem permissão das circunstâncias, uma vontade objetiva que pretende puxar o processo da suposta mudança — ou será isso apenas um subterfúgio mental para satisfazer nosso ego? Não sei. Só sei que com uma das mãos eu defendo a liberdade, e com a outra acrescento algumas horas ao meu dia.
Deus pediu-me pra morar dentro de mim.
Deixei.
Eu falo certas coisas tão óbvias, que às vezes rio de mim mesmo. Não pelo que eu digo, mas pelo poder que essas minhas obviedades têm de chocar certas pessoas. Ninguém deveria se espantar com o que eu digo. Apenas reproduzo o que é natural. Tiro as cascas horrorosas das relações e mostro-as abertas. Exatamente o que todos deveriam fazer. Por exemplo, ontem, numa entrevista, eu disse que o homem casado, via de regra, não consegue satisfazer a sua esposa porque seu repertório de novidades é geralmente minúsculo. Falta-lhe criatividade. Acontece que nem mesmo um Einstein seria capaz de criar tantas novidades, todo dia, para suportar um casamento em alto nível. O homem casado jamais será um amante brilhante da sua própria esposa. O coitado vê num filme que pétalas de rosas vermelhas jogadas num lençol de cetim é uma coisa excitante. Abrir um champagne ao lado de um pratinho de morangos, colocar música romântica, essas coisas. Acontece que a criatividade do infeliz não vai além disso. O fato de ter casado já é uma pequena prova da sua baixa criatividade... Experimente repetir essa cena maravilhosa trinta dias consecutivos — com a mesma mulher. Claro que depois de quatro ou cinco dias ela vai ficar desesperada. Com o saco cheio de tanto morango, enjoada de champagne para o resto da vida e com o coraçãozinho entupido de pétalas vermelhas... Você vai ser ridicularizado, e virar um fracasso. Agora, repita essa mesma operação com trinta mulheres diferentes, uma por dia. Você fará trinta sucessos!
Ser feliz faz parte do meu show.
São duas as moedas que compram a Liberdade: chamam-se Desapego e Coragem. E não dá para se ter uma sem a outra. Acontece que o verdadeiro desapego vai além das coisas materiais. Só ficamos realmente livres quando nos desapegamos até das coisas espirituais. Principalmente das coisas espirituais! Não basta desapegar-se do vinho e do Camaro vermelho: é preciso desapegar-se de Zeus. De Zeus, de Apolo, e de Vênus. É preciso desapegar-se do pão e das flores. Das estrelas — e também dos amores...
Não basta ter liberdade de pensamento. É preciso ter liberdade de exercer o que pensamos.
Eu não entendo muito essas pessoas que ainda dormem na mesma cama depois de dez anos de casados. Quinze anos de casados. Essa promiscuidade é um perigo. Vai que um dia, por descuido, rola um sexo... rs! Que coisa mais estranha! Já imaginou sexo com a própria esposa, ou com o próprio marido — depois de dez ou quinze anos de convivência cotidiana?! Seria uma coisa tão sem graça, que eu nem consigo imaginar.
Para que dois se tornem um, cada qual tem que usar apenas metade de si mesmo.
Eu modifico perfumes e flores em palavras e velas — e planto meu verbo num jardim que fala. Hoje há um canteiro de ternuras e rosas vermelhas no meu corpo falante. Então, as palavras, as digo, e as rosas, acendo — ou as uso para singrar oceanos com a força do vento. Por isso é que transformo em ousadia o que me diz a Natureza — e parto em busca de mais aventura e mais liberdade. Todo dia.
Eu vivo esta vida como se tivesse certeza de ela é única.
TODA OPINIÃO QUE NASCE DA RAIVA É TOLA.
Erros de avaliação depõem exclusivamente contra quem os faz. Não adianta chamar de feio quem é belo, pois isto não o cobrirá de feiura. Não adianta chamar o gênio de burro, pois isto não o deixará idiota. Não adianta falsear um fato com argumentos raivosos, pois isto não muda a realidade. Julgamentos desprovidos de verdade não alteram a qualidade do objeto, mas dizem muito sobre a falta de inteligência do sujeito. E se essa manifestação irracional for acompanhada de algum tipo de violência, inclusive verbal, a coisa fica pior ainda. Chamar alguém de filho da puta com sussurros não torna puta a mãe do ouvinte, mas demonstra uma certa finesse de quem xinga. Entretanto, gritar em altos brados a mesma imprecação só demonstra que o autor, além de não saber raciocinar, não controla sequer as próprias emoções. O infeliz talvez ache que a altura do que supõe ser a verdade é uma questão de decibéis... Fuja desse tipo de gente. Essa história de flor de lótus é bobagem: do lodo geralmente só sai barro.
Julgamento verdadeiro é aquele que você faz quando está inteligente.
A hipótese do Espírito é magnífica. A ideia de Deus como energia é grandiosa. Deus pode ter massa e ser explicado pela equação escrita por Einstein. O Espírito pode ser matéria. Deus pode ter mil elétrons na última camada. Deus pode ser apenas mais um maravilhoso elemento químico na Tabela Periódica! Como se vê, esse assunto é sério demais para continuar fora do âmbito da Ciência.
LONJURA É FÁCIL DE SER MANTIDA. PROXIMIDADE REQUER CONTEMPLAÇÃO.
Eu respeito sempre os meus amores. Assim mesmo: no plural. Tenho muitos. Sempre os tive. Mas, quando eu digo "respeitar os meus amores", às vezes refiro-me às pessoas que eu amo, outras vezes às coisas que eu sinto. Portanto, respeitar os amores tanto pode significar respeitar as vontades (desejos, critérios, conceitos) de pessoas que eu amo (e que suponho me amem), quanto seguir livremente as paixões (desejos, critérios, loucuras) que eu trago no meu próprio peito. Dito de outra forma, e preferencialmente: respeitar os meus amores é seguir meu coração. Sempre.
Quando Jesus foi crucificado, Maria não escolheu o André para lhe ser o sucessor, nem Madalena foi atrás de um outro namorado. Assim como eu: se por acaso um dia morrer, minha mãe não me trocará por outro irmão: continuarei lhe sendo o primogênito — amado, insubstituível. Só não sei o que farão essas minhas adoráveis Madalenas...
A INTELIGÊNCIA FAZ MILAGRES.
O mundo é feito para atender padrões. Portanto, é praticamente impossível instalar rampas de acesso em todos os prédios do mundo. Os cadeirantes, por algum tempo ainda, não conseguirão ser totalmente bem atendidos em suas locomoções públicas. Aliás, mantidas as proporções e a visão do problema, isso acontece também com os cegos, os surdos, os analfabetos, os manetas, os anões, os altos demais, os obesos, os anoréxicos, quem precisa de muletas ou bengalas, os deficientes mentais, os gênios — e os poetas. Somos excepcionais. Logo, não nos encaixamos nos padrões do mundo. Nos padrões operacionais e de construção do mundo. A humanidade certamente encontrará soluções mais racionais do que rampas de acesso em todos os prédios e casas e casebres do mundo, ou avisos sonoros (audíveis até para os surdos) em todas as esquinas, ou pisos especiais em todas as calçadas do mundo, ou placas em Braille ou Libra, ou telefones públicos de várias alturas, ou assentos de vários tamanhos, e quantidade certa, em todos os metrôs, ônibus, trens e aviões, carroças e charretes de todos os países do mundo. Pistas de dança com rampas de acesso, regras e quadras especiais de vôlei ou basquete para obesos, ou anões; músicas audíveis para surdos, telas de notebook em Braille, televisores para cegos, etc. Assim como não dá para fazer regras especiais de conduta para os poetas e artistas. Creio — e desejo, sinceramente — que tais soluções sejam encontradas no futuro, o mais rápido possível. O poder da ciência e a inteligência humana não têm limites.
(*) Claro que eu cito poetas e gênios no texto acima apenas por elegância — e para deixar a coisa mais leve. Pois a discriminação social aos deficientes é de outro tipo. Falta uma política pública racional para atender a todos.
OS INDIFERENTES SÃO TODOS IGUAIS.
Sou a favor do casamento de todos os animais. Dos cabritos e leões, dos macacos, elefantes e esquilos. Sou a favor do casamento de todas as aves. Dos albatrozes e das águias, e até dos passarinhos. Sou a favor do casamento de todos os insetos, das aranhas e formigas, dos peixes, dos mosquitos e abelhas, dos répteis, crustáceos e moluscos. Dos anfíbios e dos vermes, das amebas e baleias. Sou a favor do casamento dos deuses e poetas, dos demônios e dragões, dos anjos e sereias, e até das bactérias... Mas, quanto ao casamento dos humanos — tenho cá minhas ressalvas...
Ninguém se casa para ficar mais livre.
Como esse tema pode te interessar, veja aqui algumas Razões para Casar:
Um casamento jamais será opressivo ou torturante — se os casais abdicarem da sua liberdade pessoal. Suprimida esta, preferencialmente de forma consensual, a harmonia se instala. O sentimento de opressão só advirá se pelo menos um dos parceiros continuar amante da liberdade. Afinal, ninguém se casa para ficar mais livre. Seria uma contradição. Nesse sentido, requer-se apenas uma verificação do custo/benefício: quanto perco da minha liberdade pessoal — e quanto ganho em outros campos. Quanto prazer me dá uma possível reclusão. Quanta segurança. Quanta garantia. Quanto sossego. São essas algumas das questões que se podem levantar para entender uma relação de amor.
Toda relação é restritiva — por definição. O que varia é o grau de restrição e os propósitos mútuos dos que se relacionam. Mesmo as relações comerciais são restritivas, posto que fundadas em mútuas concessões. Eu te dou um desconto e você só compra de mim. No casamento ocorre a mesma coisa. Eu tolero a tua cerveja e o futebol, e você não reclama por me ver descabelada. Eu só transo com você, e você não sai com mais ninguém. Você me dá um desconto, que eu te pago à vista. E por aí vai.
É uma troca, simplesmente.
Também influem os objetivos imediatos ou remotos de cada um, além da sua (i)maturidade emocional. Emprego está difícil, vou me casar. Quero ter um filho, e preciso de alguém que o produza, eduque, ou sustente. Quero sair da casa dos meus pais. Quero morar com meu atual namorado, ou namorada. Quero alguém para ser a projeção da minha mãe. Quero ajudar alguém. Quero que alguém me ajude. Quero ter a chance de exercer minhas ganas autoritárias. Quero constituir uma família. Quero ser respeitável. Quero voltar a ser santa. Quero uma empregada doméstica. Quero seguir a tradição. Enjoei do meu estado civil original. Quero reproduzir a relação dos meus pais, exatamente igual — ou corrigindo-a, no que for possível. Quero mudar de vida. Quero melhorar a vida. Estou apaixonada. Quero desperdiçar minha vida. Cansei de ser livre. Quero me regenerar. Quero fazer uma grande besteira. Quero fazer uma besteira monumental. Nosso casamento será diferente. Quero fazer amor todo dia. Quero ser feliz. Quero engordar. Quero foder a minha vida sexual... Etc.
Como se vê, razões para casar é o que não falta. Basta escolher uma...
TEORIA DA EVOLUÇÃO
Se nós pensássemos e agíssemos exatamente como nossos pais; se nossos pais pensassem e agissem exatamente como nossos avós; se nossos avós fossem exatamente como os pais deles — e assim por diante — o ser humano ainda hoje certamente viveria trepado em árvores e abanando moscas com o próprio rabo...
Sem mudança não há progresso.
Mude.
Desobedeça!
Mas desobedeça criativamente, com inteligência e disciplina.
Eu prego a desobediência, sim — mas a desobediência amorosa e criativa. A desobediência racional, inteligente, disciplinada. Porque desobediência sem disciplina e sem amor, sem método e sem lógica, é apenas burrice malcomportada.
Mais duas coisas sobre ela. Aos treze anos, veio correndo até mim e pediu-me quinze reais. Foi a única vez que me pediu dinheiro. Pra quê, perguntei. Pra comprar um passarinho tão lindinho... Fui lá ver. Mas esse preço é com gaiola e tudo? Não. Ela ia comprar a avezinha para soltá-la da gaiola, ali na praça. Segunda coisa. Ontem à tarde ela estava em frente a uma vitrine no Guarujá, olhando um vestido branco. Eis que passa ao seu lado uma menina mancando, com a perna direita bastante queimada. Ela pergunta o que aconteceu. Queimadura de óleo fervente, disse a menina. Está doendo muito, mas não tem mais pomada e não posso comprar outra. Sabe o que Joyce Ann então fez? Abraçou a menina demoradamente, e deu-lhe o dinheiro todo com que compraria o vestido. E depois, à noite, pediu-me que a levasse à humilde casa da menina. Levar umas compras, um tubinho de Sulfadiazina de prata 1%, e doze claras de ovos.
Tem como não amar alguém assim?
E as pessoas me perguntam por que então me separei de Joyce Ann, se ela é realmente assim. Ora, porque eu prego exatamente isto: as relações de amor devem sempre acabar no pico — e por consenso. Depois do pico não existe mais nada, exceto talvez uma ribanceira. Eu e ela nos separamos no Pico porque o Pico é o melhor lugar possível para se deixar um grande amor. Ou vocês acham que eu deveria abandoná-la no sopé da montanha?
Estou deliciosamente inclinado a continuar dançando neste plano desfeito por onde deslizo da anormalidade à loucura.
Hoje (19 de abril) é aniversário de nascimento do meu pai. Ele teve mais filhos do que amantes — e isto é um mau sinal. E morreu muito jovem. Isto também é um mau sinal. Tínhamos nossas desavenças momentâneas, eu e ele, mas o contrato inicial nunca foi rompido. Especialmente a cláusula de ternura. Ele gostava de levantar paredes, rasgar o chão, e empilhar tijolos. Mas a pressa abriu valetas no seu peito. Nunca esquecerei que o decidido e glorioso pontapé inicial da minha história foi ele quem deu. Pena que morreu demais. Não precisava ter morrido tanto.
Escrevi mais alguma coisa para ele ali nas areias, mas pretendo deixar os originais para o livro Teoria do Acaso. Entretanto, se você quiser saber como era esse Mestre Zen com Vara de Marmelo, vá ao blog Mude.
O coração tem que ser livre, mas não livre como um táxi — que só está livre quando está vazio. Não me refiro a um coração vazio. Um coração vazio é uma coisa muito triste... O que proponho, sinceramente, é que teu coração deve ser como um jardim: quanto mais flores você nele plantar, mais bonito ele fica. Basta que nenhuma delas seja carnívora, que nenhuma seja violenta, exclusivista, ciumenta ou possessiva. Basta que todas as flores convivam entre si, em harmonia, e que você ame todas elas incondicionalmente, sem apego e sem pressões.
Teu coração tem que ser livre como um jardim.
Quando o percurso, o projeto ou as relações me agradam muito, vou sempre até o limite. Mas, quando vejo que o limite se aproxima e terei mesmo que ultrapassá-lo, eu o desloco — com amor e alegria, com razão e gostosura — um pouco mais pra frente. E assim por diante.
Não basta ter liberdade de pensamento. É preciso ter liberdade de exercer o que pensamos.
Era um dia de duplas esperanças. Era uma noite de luar azul escandaloso. Era um sábado de aleluias, era hora de metáforas e loucuras. Era uma casinha de madeira e primavera ao lado de uma roseira branca no finzinho de uma rua principal. Como toda mulher inocente, minha mãe havia sido deflorada por um delicado Inspírito Santo. Era madrugada e ela estava sozinha outra vez. Foi então que essa Mulher me deu a Luz. Era o começo de uma história de Amor.
Antes do leite, antes do açúcar, antes do arroz com feijão — eu queria mesmo era o amor que ela me dava. Este foi meu primeiro e mais querido alimento: o Amor. Como se pode notar, eu sempre me alimento de Amor e de Mãe, de risco e paixão, de glória e loucura, flores, estrelas, matemática, poesia, lógica e mulher. E liberdade — é claro.
Ela jamais quebrou as lanças da minha ousadia, e nunca pensou em cortar-me as asas de pássaro livre. Ela me apoia com entusiasmo, incentiva os meus saltos profundos e me aplaude todas as conquistas. Compreende os meus gestos, mesmo quando parados no ar. Ela me aceita como sou, inteiramente. E me faz acreditar, cada vez mais, que o verdadeiro amor é a união delicada de duas espontaneidades, a fusão poética de dois devaneios. Ou mais.
Até hoje é assim a minha Mãe.
E esse hoje a que me refiro é 19 de abril de 2012!
Eu já tive uma experiência de quase morte.
Quase me casei.
Daqui uns dois mil anos as pessoas comuns talvez comecem a entender Jesus. Mas o verdadeiro Jesus — aquele do Sermão da Montanha, aquele da Madalena, aquele do Cabernet Sauvignon, aquele dos pássaros no céu e dos lírios no campo. Não esse Jesus de araque, cuja filosofia foi grosseiramente desvirtuada pelos vendedores de religião.
Há dias em que é preciso que eu te perca inteiramente. É preciso que eu siga o que me pede o coração apaixonado — e o que suplica um novo grande amor aos pés da nova cama. Tua imagem, minha flor, fumaça escandalosa desprendida de si mesma, some em meio à volúpia da minha próxima lembrança. Então, te esqueço — carinhosamente. Mas, de repente, num voo alado de pássaro surpreso, entro em mim pra te buscar. Se te encontro, a busca me alucina intensamente, e se me encanto, ao contrário, é meu verbo que engravida o teu espanto.
Acho que desta vez vou me apaixonar por quinze dias! Ou será que agora vai ser por toda a eternidade? Ou talvez por apenas duas ou três horas? Quinze minutos, quem sabe... Não sei. Realmente, não sei. E seria leviano de minha parte fazer esse tipo de promessa logo no início da relação. Até porque não sou eu quem determina o tempo, a intensidade e a duração dos meus amores: — é o meu próprio coração. Ele tem autonomia, é completamente livre, independente, e faz o que bem quer. Afinal, se eu todo sou livre, por que só meu coração não seria?
Ser normal é um desperdício.
Éramos dois como se fôssemos mais, e éramos tanto como se dois apenas. Então, a porta do meu peito se abriu como um sorriso delicioso que beijava o sol daquela tarde: as dobradiças não rangeram, não havia perfume de coisas antigas, não se crisparam as mãos. E o sorriso da porta cresceu de forma tranquila — e se fez palavra. Naquela tarde não houve sombras na minha espera.
Às vezes nós temos que desistir da nossa vida antiga. Das velhas relações. Das velhas emoções. Dos móveis quadrados que nos imobilizam... Porque às vezes a vida está só na vida nova.
A exclusividade não é natural. Não é inerente ao ser humano, não vem gravada no DNA. Se alguém diz que me ama, mas quer me controlar — em verdade não ama. Melhor comprar um bichinho de pelúcia, para dizer que é seu. Claro que se alguém tiver encanto que me pareça suficiente, eu lhe ficarei eternamente aos seus pés. Eternamente, ou pelo menos enquanto durar o fascínio. Portanto, se saio às vezes para alguns voos livres em vez de ficar no ninho, é sinal que esses voos me são mais engraçados, mais bonitos, mais necessários, ou mais interessantes do que a simples permanência no ninho. Então, como pode alguém culpar-me por ter asas? Desde quando é proibido gostar de voos livres?
Irresponsável... Irresponsável é aquele que não se aventura, não se joga inteiro no belo azul profundo da Vida. Irresponsável é aquele que só segue os caminhos já trilhados, e só visita os lugares que existem nos seus mapas. Irresponsável é aquele que se acomoda ou segue apenas o rebanho. Não corre mais riscos, não aspira ser mais, não deseja, não vibra, e pouco a pouco vai deixando até de sonhar. Não mais responde quando a vida o chama. Esse é o verdadeiro irresponsável: em vez de voar, chafurda no triste patético lodo do medo...
Nada mais belo do que mostrar ao inimigo que ele não nos pode vencer. E, para vencê-lo, não precisamos nem de grito, nem de força, nem de horror. Bastam a lógica, a inteligência, o amor.
Eu sempre me pergunto por que é que as igrejas evangélicas não publicam balancete. A gente dá o dízimo e não vê a prestação de contas. A gente só ouve o pastor pedir mais dinheiro, mais dinheiro e mais dinheiro — mas não vê a demonstração contábil da operação. Por isso, pretendo fundar uma Igreja diferente. Será uma sociedade anônima sem caixa preta. Quando o fiel se associar, se tornará um sócio, como em toda empresa que se preze. Teremos um departamento de contabilidade. Balancetes mensais serão publicados. Os Livros serão abertos... Os livros contábeis também — e não apenas a Bíblia. Todos os fieis saberão o destino de cada centavo do dízimo que derem. Não podemos deixar a responsabilidade pelas finanças a cargo apenas de Deus. Pois Deus tem outros afazeres. Bom lembrar que até Jesus contratou um contador... A nossa Igreja será devidamente registrada na Junta Comercial, e seu nome será Sociedade Evangélica do Amor a Deus. Ou Igreja Universal da Transparência Divina S.A.
Tenho que repetir sempre: é só disso que trato nos meus livros: ideias novas, sagração da liberdade, gramática do Amor e provocações inteligentes. Se você não gosta dessas coisas, nunca será meu leitor. Minha literatura propõe uma prática viva de Liberdade absoluta.
Le livre de la Liberté!
Segundo a Bíblia, Jesus ressuscitou após três dias da sua morte biológica, num processo de religação do seu corpo à sua alma. E na Páscoa celebra-se exatamente isto: a volta de Jesus ao mundo material, levantando-se do seu sepulcro, e ressurgindo perante Madalena, primeiramente (João 20:10-18). Esse retorno, essa passagem de volta a este mundo, essa ressurreição é comemorada na Páscoa. Tal concepção de ressurreição está na Bíblia, explicitamente, e é assim entendida por todos os teólogos e cristãos nos últimos dois mil anos. Mas eu defendo tese diferente. Para mim, a verdadeira ressurreição de Jesus foi quando Ele morreu. Quando ele deixou esta vida e renasceu para a outra. Para aquela de onde ele supostamente veio. Esta é a minha tese. Como Jesus foi criador de metáforas, um mestre das parábolas, entro no jogo dele e crio uma nova. Quando se diz “ressuscitar”, isso, segundo aqui proponho, quer dizer “renascer para a outra vida” — não para esta. Não é o retorno a esta, mas o retorno à outra. A Páscoa é a Passagem — desta vida para a Outra. Desta, em que Jesus viveu por trinta e três anos, para a Outra, de onde ele teria vindo. Nesse sentido, engana-se quem pensa que a ressurreição de Jesus significa o retorno do seu corpo a esta vida. Em verdade, Jesus ressurgiu para a outra vida: a vida espiritual. O corpo de Jesus, nessa perspectiva, não tem a mínima importância, pois não é o corpo que ressurge: é a alma que se liberta.
A Páscoa também está ligada aos antigos festivais da primavera (no hemisfério norte). Assim como em outras datas festivas já existentes, como o Natal, a Igreja aproveitou esses eventos e anexou-lhes algumas comemorações cristãs. Deu-lhes formas novas. Um método inteligente de fazer propaganda, pois começar do zero uma comemoração grandiosa custaria muito. Nesse período também os judeus já comemoravam seu êxodo do Egito durante o reinado do faraó Ramsés II, quando os judeus passaram da escravidão à liberdade. Uma belíssima metáfora. Tal qual Jesus saindo da escravidão do corpo e passando para a liberdade do mundo espiritual. Ou seja, de acordo com essa minha concepção, quando morremos biologicamente é que ressuscitamos. A morte, repito, é a Passagem. A morte é a Páscoa. A morte do corpo — entenda-se. Nesse sentido, portanto, a verdadeira ressurreição de Jesus aconteceu ainda na Cruz, e não no sepulcro, três dias depois, como está na Bíblia, e como erradamente dizem os teólogos, padres e pastores. Aliás, eu não creio nadinha nessa história de um corpo físico, morto, voltar à vida!
A Bíblia relata dez casos de ressurreição: três no Antigo Testamento e sete no Novo. A Bíblia (em Mateus 28:5-6) diz claramente que Jesus ressuscitou dos mortos: "Mas o anjo disse às mulheres: Não temais vós; pois eu sei que buscais a Jesus, que foi crucificado. Não está aqui, porque ressurgiu. (...) Vinde, vede o lugar onde jazia." Ou seja, segundo a Bíblia, o corpo deixou o sepulcro e viveu novamente. E depois teria sido visto, andando, por muitas pessoas, incluindo Madalena e os apóstolos. E por mais quinhentas pessoas não sei onde.
Eu estava revisando o Sermão da Montanha, mas achei melhor fazer outro. Vou escrever o Sermão da Cordilheira. Claro que isto é só uma respeitosa brincadeira. Entretanto, como considero o Sermão da Montanha a coisa mais interessante da Bíblia, não descarto a possibilidade de um dia vir a escrever-lhe uma versão mais poética. E mais moderna...
Tomar café ouvindo pássaros é uma Arte. E eu fico aqui, agora, conversando com Jesus e descobrindo maravilhas. Ele me conta algumas coisas sobre a Páscoa, esse dia santo mais importante da religião cristã. Ele me diz que ressuscitou na própria cruz em que morreu, e não três dias depois, lá no sepulcro, como relata a Bíblia e como erradamente entendem os teólogos. Vou escrever sobre isso mais tarde. Coisas que vocês deveriam contar às suas crianças — antes de lhes dar um ovo de Páscoa. Pois um ovo recheado de cultura e alegria fica muito mais interessante.
Ela me ensinou a pecar sem culpa — isso eu jamais esquecerei. Tinha um pé de café lá no fundo do quintal, ao lado de uma roseira, e eu ficava colhendo só os grãozinhos vermelhos, que eram bem doces. Havia também um velho torrador de manivela meio enferrujado, um fogão de lenha limpíssimo, e muitas histórias de amor. E uma ciência sutil que só as mulheres eleitas por Deus conseguem ter. Tem mais uma coisa sobre minha vó Vitalina. No dia em que voltei da Primeira Comunhão, ela me abençoou duas vezes com o sinal da cruz na minha testa, me abraçou, deu parabéns, assou um pedaço enorme de queijo na palha de milho, tomou um gole demoraaaaado de café — e me deu um conselho inesquecível: Quando a Tentação do Pecado passar por você — e for um pecado muito gostoso, que não faz mal a ninguém — você tem um único caminho a tomar: Pense em Deus, ponha a mão no coração, olhe para os lados... e... peque!
Minha proposta é a Liberdade Absoluta. Eu venho é para semear razões, quebrar paradigmas, romper limites e derrubar padrões. Não trago nenhuma resposta pronta: só faço perguntas. Eu quero é mexer na tua cabeça, por fora e por dentro — poeticamente. Fazer um cafuné maluco e delicioso nos teus neurônios enrolados. Passar um pente fino nos caracóis da tradição. Quero questionar tuas verdades mais queridas. Chacoalhar tuas convicções. Não vim portanto te propor sossego — nem venho te trazer a paz... Eu te convido a ter coragem. Eu te convido a um salto profundo em direção à Vida.
Abandone-me no Pico, por favor. Não permita que eu despenque — agarrado ao teu Amor.
Ela sempre tinha sede à noite. E eu deixava uma garrafinha dágua ao lado da cama, para quando me pedisse. Ela então tomava de olhos fechados, sonolenta e graciosa. Às vezes babava umas gotinhas que brilhavam nos seus lábios fascinantes. Depois, agradecia sonhando e voltava a se deitar, sussurrando alguma coisa como eu te amo meu amor... Era Joyce Ann — ao meu lado. De dentro.
Enquanto a espiritualidade não for matematizável, ela não poderá ser cientificamente defendida. Temos que retirar a espiritualidade do âmbito da religião. Quem deve se ocupar disso, num primeiro momento, é a Filosofia. Enquanto a Teologia mantiver o falso direito de exclusividade sobre o Espírito, não chegaremos a nenhum resultado logicamente aceitável. Porque a Teologia se utiliza de dogmas para elaborar seus conceitos — e dogmas são totalmente inaceitáveis pela Ciência. A Ciência constrói seus postulados com base em evidências quantificáveis, verificáveis. Mesmo quando a Ciência trabalha com hipóteses, estas devem ser plausíveis. A Teologia aceita como verdade até mesmo aquilo que pertence ao campo da Feitiçaria. Já a Ciência requer comprovação empírica. E a Filosofia é que deve fazer a ponte para que o Espírito se desloque para o campo da Física. Sem isso, essa energia que eu suponho ser o Espírito vai continuar sob o domínio dos pajés e dos pastores — geralmente incultos. O que será péssimo para o desenvolvimento futuro da Humanidade.
A hipótese do Espírito é magnífica. A ideia de Deus como energia é grandiosa. Deus pode ter massa e pode ser explicado por uma equação escrita por Einstein. Deus pode ser matéria. Deus pode ter mil elétrons na última camada. Deus pode ser apenas mais um elemento químico na Tabela Periódica! Como se vê, esse é um assunto sério demais para continuar fora do âmbito da Ciência.
Inferno é apenas uma metáfora que expressa a Infelicidade. Só habita o coração dos infelizes. Da mesma forma, e ao contrário, Céu quer dizer Felicidade. Os felizes já estão no Reino de Deus. Porque nem céu nem inferno são lugares para onde os humanos vão depois da morte biológica. São os diferentes estados de espírito que cada qual de nós consegue, conforme a própria inteligência.
Paritosh Keval.
Neste livro, eu me arrisco inteiro e confesso alguns pecados de amor que até podem chocar alguns espíritos despreparados para o sublime. Aqui eu defendo ideias libertárias, exponho meus avessos lógicos, e abro meu coração, sem restrições. Claro que o contraditório também é bem vindo, pois sou democrata, e a priori concedo a palavra aos que pensam diferente de mim. Não só lhes concedo a palavra: dou-lhes a voz. Aos que pensam como eu, dou-lhes um abraço e um buquê de rosas vermelhas. E lhes daria também um copo de vinho, se estivessem mais perto...
Acontecimentos, situações e amores que aqui não estão, é porque já foram contados e amados nos livros Teoria do Acaso ou Solidão a Mil.
Prefácio
Paritosh Keval é para mim o que Louis Lambert foi para Balzac. Mas com um diferencial significativo: enquanto Balzac fez com que Lambert o seguisse, no meu caso é Paritosh quem me guia. Desde que chegou da India, em 1984, esse mestre tântrico e maluco tem me levado a lugares impensáveis. Foi com ele que aprendi a saltar profundo. Foi com ele que aprendi a ser mais humano, mais delicado, mais inocente — e mais alegre. Paritosh é tão bom para mim, e me trata de uma forma tão docemente pura, que sou tentado a tratá-lo como a um anjo. Meu anjo da guarda. Ele cuida de mim. Quando não posso ligar para minha Mãe, é ele quem liga em meu lugar. E minha Mãe o adora como a um filho predileto.
Ninguém me conhece tão bem quanto ele. Sabe de cor os meus poemas, arruma os meus papéis, organiza minhas lembranças, atualiza meus arquivos, carrega minha agenda. Vai buscar os meus amores que moram longe, me traz café na cama, me avisa dos perigos que a noite tem. Me ensinou a cozinhar, a fazer bolo de hortelã, a colocar framboesa num copo de Amaretto. Me ensinou a tomar absinto e a fazer vinho. Aliás, foi com ele que aprendi a gostar de vinhos franceses. Foi com ele que aprendi a gostar de arquitetura, de jardinagem, de sinuca e Maria-mole. Paritosh é um jogador, no sentido mais profundo da expressão. Joga bem, vence quase sempre, mas às vezes concede-me o direito de supor que o venci.
Quanto a este livro, houve entre nós um certo desacordo no tocante ao título. Eu queria que se chamasse "Não estou à Venda", mas Paritosh convenceu-me a correr o risco de ofender as igrejas e aceitar "O Evangelho de Edson Marques". A seleção dos textos foi dele, inclusive a revisão gramatical. Considerei o título um exagero, auto-promocional, mas ele o justificou, escrevendo no espelho da sala: Da genialidade para a loucura é apenas um passo, Edson. Dê dois.
Veremos no que vai dar. Porém, o importante para mim é que os leitores se deliciem com a leitura. E que dancem com nossas metáforas.
O resto é secundário.
Edson Marques.
Toda mudança requer um plano. Às vezes, plano esboçado em folha de papel, outras vezes, plano intuído no cérebro da gente. Mas a mudança mais gostosa é aquela que só requer um plano inclinado, por onde vamos deslizando em óleo de amêndoas, como se fosse no corpo de um grande amor. Deslizamos até a borda — e então saltamos no vazio do belo escuro azul brilhante profundo da vida. Mas tem hora que a gente verbaliza mudanças sem atitude que lhes corresponda. Também faço isso, muitas vezes. Será vontade real de mudar alguma coisa sem permissão das circunstâncias, uma vontade objetiva que pretende puxar o processo da suposta mudança — ou será isso apenas um subterfúgio mental para satisfazer nosso ego? Não sei. Só sei que com uma das mãos eu defendo a liberdade, e com a outra acrescento algumas horas ao meu dia.
Deus pediu-me pra morar dentro de mim.
Deixei.
Eu falo certas coisas tão óbvias, que às vezes rio de mim mesmo. Não pelo que eu digo, mas pelo poder que essas minhas obviedades têm de chocar certas pessoas. Ninguém deveria se espantar com o que eu digo. Apenas reproduzo o que é natural. Tiro as cascas horrorosas das relações e mostro-as abertas. Exatamente o que todos deveriam fazer. Por exemplo, ontem, numa entrevista, eu disse que o homem casado, via de regra, não consegue satisfazer a sua esposa porque seu repertório de novidades é geralmente minúsculo. Falta-lhe criatividade. Acontece que nem mesmo um Einstein seria capaz de criar tantas novidades, todo dia, para suportar um casamento em alto nível. O homem casado jamais será um amante brilhante da sua própria esposa. O coitado vê num filme que pétalas de rosas vermelhas jogadas num lençol de cetim é uma coisa excitante. Abrir um champagne ao lado de um pratinho de morangos, colocar música romântica, essas coisas. Acontece que a criatividade do infeliz não vai além disso. O fato de ter casado já é uma pequena prova da sua baixa criatividade... Experimente repetir essa cena maravilhosa trinta dias consecutivos — com a mesma mulher. Claro que depois de quatro ou cinco dias ela vai ficar desesperada. Com o saco cheio de tanto morango, enjoada de champagne para o resto da vida e com o coraçãozinho entupido de pétalas vermelhas... Você vai ser ridicularizado, e virar um fracasso. Agora, repita essa mesma operação com trinta mulheres diferentes, uma por dia. Você fará trinta sucessos!
Ser feliz faz parte do meu show.
São duas as moedas que compram a Liberdade: chamam-se Desapego e Coragem. E não dá para se ter uma sem a outra. Acontece que o verdadeiro desapego vai além das coisas materiais. Só ficamos realmente livres quando nos desapegamos até das coisas espirituais. Principalmente das coisas espirituais! Não basta desapegar-se do vinho e do Camaro vermelho: é preciso desapegar-se de Zeus. De Zeus, de Apolo, e de Vênus. É preciso desapegar-se do pão e das flores. Das estrelas — e também dos amores...
Não basta ter liberdade de pensamento. É preciso ter liberdade de exercer o que pensamos.
Eu não entendo muito essas pessoas que ainda dormem na mesma cama depois de dez anos de casados. Quinze anos de casados. Essa promiscuidade é um perigo. Vai que um dia, por descuido, rola um sexo... rs! Que coisa mais estranha! Já imaginou sexo com a própria esposa, ou com o próprio marido — depois de dez ou quinze anos de convivência cotidiana?! Seria uma coisa tão sem graça, que eu nem consigo imaginar.
Para que dois se tornem um, cada qual tem que usar apenas metade de si mesmo.
Eu modifico perfumes e flores em palavras e velas — e planto meu verbo num jardim que fala. Hoje há um canteiro de ternuras e rosas vermelhas no meu corpo falante. Então, as palavras, as digo, e as rosas, acendo — ou as uso para singrar oceanos com a força do vento. Por isso é que transformo em ousadia o que me diz a Natureza — e parto em busca de mais aventura e mais liberdade. Todo dia.
Eu vivo esta vida como se tivesse certeza de ela é única.
TODA OPINIÃO QUE NASCE DA RAIVA É TOLA.
Erros de avaliação depõem exclusivamente contra quem os faz. Não adianta chamar de feio quem é belo, pois isto não o cobrirá de feiura. Não adianta chamar o gênio de burro, pois isto não o deixará idiota. Não adianta falsear um fato com argumentos raivosos, pois isto não muda a realidade. Julgamentos desprovidos de verdade não alteram a qualidade do objeto, mas dizem muito sobre a falta de inteligência do sujeito. E se essa manifestação irracional for acompanhada de algum tipo de violência, inclusive verbal, a coisa fica pior ainda. Chamar alguém de filho da puta com sussurros não torna puta a mãe do ouvinte, mas demonstra uma certa finesse de quem xinga. Entretanto, gritar em altos brados a mesma imprecação só demonstra que o autor, além de não saber raciocinar, não controla sequer as próprias emoções. O infeliz talvez ache que a altura do que supõe ser a verdade é uma questão de decibéis... Fuja desse tipo de gente. Essa história de flor de lótus é bobagem: do lodo geralmente só sai barro.
Julgamento verdadeiro é aquele que você faz quando está inteligente.
A hipótese do Espírito é magnífica. A ideia de Deus como energia é grandiosa. Deus pode ter massa e ser explicado pela equação escrita por Einstein. O Espírito pode ser matéria. Deus pode ter mil elétrons na última camada. Deus pode ser apenas mais um maravilhoso elemento químico na Tabela Periódica! Como se vê, esse assunto é sério demais para continuar fora do âmbito da Ciência.
LONJURA É FÁCIL DE SER MANTIDA. PROXIMIDADE REQUER CONTEMPLAÇÃO.
Eu respeito sempre os meus amores. Assim mesmo: no plural. Tenho muitos. Sempre os tive. Mas, quando eu digo "respeitar os meus amores", às vezes refiro-me às pessoas que eu amo, outras vezes às coisas que eu sinto. Portanto, respeitar os amores tanto pode significar respeitar as vontades (desejos, critérios, conceitos) de pessoas que eu amo (e que suponho me amem), quanto seguir livremente as paixões (desejos, critérios, loucuras) que eu trago no meu próprio peito. Dito de outra forma, e preferencialmente: respeitar os meus amores é seguir meu coração. Sempre.
Quando Jesus foi crucificado, Maria não escolheu o André para lhe ser o sucessor, nem Madalena foi atrás de um outro namorado. Assim como eu: se por acaso um dia morrer, minha mãe não me trocará por outro irmão: continuarei lhe sendo o primogênito — amado, insubstituível. Só não sei o que farão essas minhas adoráveis Madalenas...
A INTELIGÊNCIA FAZ MILAGRES.
O mundo é feito para atender padrões. Portanto, é praticamente impossível instalar rampas de acesso em todos os prédios do mundo. Os cadeirantes, por algum tempo ainda, não conseguirão ser totalmente bem atendidos em suas locomoções públicas. Aliás, mantidas as proporções e a visão do problema, isso acontece também com os cegos, os surdos, os analfabetos, os manetas, os anões, os altos demais, os obesos, os anoréxicos, quem precisa de muletas ou bengalas, os deficientes mentais, os gênios — e os poetas. Somos excepcionais. Logo, não nos encaixamos nos padrões do mundo. Nos padrões operacionais e de construção do mundo. A humanidade certamente encontrará soluções mais racionais do que rampas de acesso em todos os prédios e casas e casebres do mundo, ou avisos sonoros (audíveis até para os surdos) em todas as esquinas, ou pisos especiais em todas as calçadas do mundo, ou placas em Braille ou Libra, ou telefones públicos de várias alturas, ou assentos de vários tamanhos, e quantidade certa, em todos os metrôs, ônibus, trens e aviões, carroças e charretes de todos os países do mundo. Pistas de dança com rampas de acesso, regras e quadras especiais de vôlei ou basquete para obesos, ou anões; músicas audíveis para surdos, telas de notebook em Braille, televisores para cegos, etc. Assim como não dá para fazer regras especiais de conduta para os poetas e artistas. Creio — e desejo, sinceramente — que tais soluções sejam encontradas no futuro, o mais rápido possível. O poder da ciência e a inteligência humana não têm limites.
(*) Claro que eu cito poetas e gênios no texto acima apenas por elegância — e para deixar a coisa mais leve. Pois a discriminação social aos deficientes é de outro tipo. Falta uma política pública racional para atender a todos.
OS INDIFERENTES SÃO TODOS IGUAIS.
Sou a favor do casamento de todos os animais. Dos cabritos e leões, dos macacos, elefantes e esquilos. Sou a favor do casamento de todas as aves. Dos albatrozes e das águias, e até dos passarinhos. Sou a favor do casamento de todos os insetos, das aranhas e formigas, dos peixes, dos mosquitos e abelhas, dos répteis, crustáceos e moluscos. Dos anfíbios e dos vermes, das amebas e baleias. Sou a favor do casamento dos deuses e poetas, dos demônios e dragões, dos anjos e sereias, e até das bactérias... Mas, quanto ao casamento dos humanos — tenho cá minhas ressalvas...
Ninguém se casa para ficar mais livre.
Como esse tema pode te interessar, veja aqui algumas Razões para Casar:
Um casamento jamais será opressivo ou torturante — se os casais abdicarem da sua liberdade pessoal. Suprimida esta, preferencialmente de forma consensual, a harmonia se instala. O sentimento de opressão só advirá se pelo menos um dos parceiros continuar amante da liberdade. Afinal, ninguém se casa para ficar mais livre. Seria uma contradição. Nesse sentido, requer-se apenas uma verificação do custo/benefício: quanto perco da minha liberdade pessoal — e quanto ganho em outros campos. Quanto prazer me dá uma possível reclusão. Quanta segurança. Quanta garantia. Quanto sossego. São essas algumas das questões que se podem levantar para entender uma relação de amor.
Toda relação é restritiva — por definição. O que varia é o grau de restrição e os propósitos mútuos dos que se relacionam. Mesmo as relações comerciais são restritivas, posto que fundadas em mútuas concessões. Eu te dou um desconto e você só compra de mim. No casamento ocorre a mesma coisa. Eu tolero a tua cerveja e o futebol, e você não reclama por me ver descabelada. Eu só transo com você, e você não sai com mais ninguém. Você me dá um desconto, que eu te pago à vista. E por aí vai.
É uma troca, simplesmente.
Também influem os objetivos imediatos ou remotos de cada um, além da sua (i)maturidade emocional. Emprego está difícil, vou me casar. Quero ter um filho, e preciso de alguém que o produza, eduque, ou sustente. Quero sair da casa dos meus pais. Quero morar com meu atual namorado, ou namorada. Quero alguém para ser a projeção da minha mãe. Quero ajudar alguém. Quero que alguém me ajude. Quero ter a chance de exercer minhas ganas autoritárias. Quero constituir uma família. Quero ser respeitável. Quero voltar a ser santa. Quero uma empregada doméstica. Quero seguir a tradição. Enjoei do meu estado civil original. Quero reproduzir a relação dos meus pais, exatamente igual — ou corrigindo-a, no que for possível. Quero mudar de vida. Quero melhorar a vida. Estou apaixonada. Quero desperdiçar minha vida. Cansei de ser livre. Quero me regenerar. Quero fazer uma grande besteira. Quero fazer uma besteira monumental. Nosso casamento será diferente. Quero fazer amor todo dia. Quero ser feliz. Quero engordar. Quero foder a minha vida sexual... Etc.
Como se vê, razões para casar é o que não falta. Basta escolher uma...
TEORIA DA EVOLUÇÃO
Se nós pensássemos e agíssemos exatamente como nossos pais; se nossos pais pensassem e agissem exatamente como nossos avós; se nossos avós fossem exatamente como os pais deles — e assim por diante — o ser humano ainda hoje certamente viveria trepado em árvores e abanando moscas com o próprio rabo...
Sem mudança não há progresso.
Mude.
Desobedeça!
Mas desobedeça criativamente, com inteligência e disciplina.
Eu prego a desobediência, sim — mas a desobediência amorosa e criativa. A desobediência racional, inteligente, disciplinada. Porque desobediência sem disciplina e sem amor, sem método e sem lógica, é apenas burrice malcomportada.
Mais duas coisas sobre ela. Aos treze anos, veio correndo até mim e pediu-me quinze reais. Foi a única vez que me pediu dinheiro. Pra quê, perguntei. Pra comprar um passarinho tão lindinho... Fui lá ver. Mas esse preço é com gaiola e tudo? Não. Ela ia comprar a avezinha para soltá-la da gaiola, ali na praça. Segunda coisa. Ontem à tarde ela estava em frente a uma vitrine no Guarujá, olhando um vestido branco. Eis que passa ao seu lado uma menina mancando, com a perna direita bastante queimada. Ela pergunta o que aconteceu. Queimadura de óleo fervente, disse a menina. Está doendo muito, mas não tem mais pomada e não posso comprar outra. Sabe o que Joyce Ann então fez? Abraçou a menina demoradamente, e deu-lhe o dinheiro todo com que compraria o vestido. E depois, à noite, pediu-me que a levasse à humilde casa da menina. Levar umas compras, um tubinho de Sulfadiazina de prata 1%, e doze claras de ovos.
Tem como não amar alguém assim?
E as pessoas me perguntam por que então me separei de Joyce Ann, se ela é realmente assim. Ora, porque eu prego exatamente isto: as relações de amor devem sempre acabar no pico — e por consenso. Depois do pico não existe mais nada, exceto talvez uma ribanceira. Eu e ela nos separamos no Pico porque o Pico é o melhor lugar possível para se deixar um grande amor. Ou vocês acham que eu deveria abandoná-la no sopé da montanha?
Estou deliciosamente inclinado a continuar dançando neste plano desfeito por onde deslizo da anormalidade à loucura.
Hoje (19 de abril) é aniversário de nascimento do meu pai. Ele teve mais filhos do que amantes — e isto é um mau sinal. E morreu muito jovem. Isto também é um mau sinal. Tínhamos nossas desavenças momentâneas, eu e ele, mas o contrato inicial nunca foi rompido. Especialmente a cláusula de ternura. Ele gostava de levantar paredes, rasgar o chão, e empilhar tijolos. Mas a pressa abriu valetas no seu peito. Nunca esquecerei que o decidido e glorioso pontapé inicial da minha história foi ele quem deu. Pena que morreu demais. Não precisava ter morrido tanto.
Escrevi mais alguma coisa para ele ali nas areias, mas pretendo deixar os originais para o livro Teoria do Acaso. Entretanto, se você quiser saber como era esse Mestre Zen com Vara de Marmelo, vá ao blog Mude.
O coração tem que ser livre, mas não livre como um táxi — que só está livre quando está vazio. Não me refiro a um coração vazio. Um coração vazio é uma coisa muito triste... O que proponho, sinceramente, é que teu coração deve ser como um jardim: quanto mais flores você nele plantar, mais bonito ele fica. Basta que nenhuma delas seja carnívora, que nenhuma seja violenta, exclusivista, ciumenta ou possessiva. Basta que todas as flores convivam entre si, em harmonia, e que você ame todas elas incondicionalmente, sem apego e sem pressões.
Teu coração tem que ser livre como um jardim.
Quando o percurso, o projeto ou as relações me agradam muito, vou sempre até o limite. Mas, quando vejo que o limite se aproxima e terei mesmo que ultrapassá-lo, eu o desloco — com amor e alegria, com razão e gostosura — um pouco mais pra frente. E assim por diante.
Não basta ter liberdade de pensamento. É preciso ter liberdade de exercer o que pensamos.
Era um dia de duplas esperanças. Era uma noite de luar azul escandaloso. Era um sábado de aleluias, era hora de metáforas e loucuras. Era uma casinha de madeira e primavera ao lado de uma roseira branca no finzinho de uma rua principal. Como toda mulher inocente, minha mãe havia sido deflorada por um delicado Inspírito Santo. Era madrugada e ela estava sozinha outra vez. Foi então que essa Mulher me deu a Luz. Era o começo de uma história de Amor.
Antes do leite, antes do açúcar, antes do arroz com feijão — eu queria mesmo era o amor que ela me dava. Este foi meu primeiro e mais querido alimento: o Amor. Como se pode notar, eu sempre me alimento de Amor e de Mãe, de risco e paixão, de glória e loucura, flores, estrelas, matemática, poesia, lógica e mulher. E liberdade — é claro.
Ela jamais quebrou as lanças da minha ousadia, e nunca pensou em cortar-me as asas de pássaro livre. Ela me apoia com entusiasmo, incentiva os meus saltos profundos e me aplaude todas as conquistas. Compreende os meus gestos, mesmo quando parados no ar. Ela me aceita como sou, inteiramente. E me faz acreditar, cada vez mais, que o verdadeiro amor é a união delicada de duas espontaneidades, a fusão poética de dois devaneios. Ou mais.
Até hoje é assim a minha Mãe.
E esse hoje a que me refiro é 19 de abril de 2012!
Eu já tive uma experiência de quase morte.
Quase me casei.
Daqui uns dois mil anos as pessoas comuns talvez comecem a entender Jesus. Mas o verdadeiro Jesus — aquele do Sermão da Montanha, aquele da Madalena, aquele do Cabernet Sauvignon, aquele dos pássaros no céu e dos lírios no campo. Não esse Jesus de araque, cuja filosofia foi grosseiramente desvirtuada pelos vendedores de religião.
Há dias em que é preciso que eu te perca inteiramente. É preciso que eu siga o que me pede o coração apaixonado — e o que suplica um novo grande amor aos pés da nova cama. Tua imagem, minha flor, fumaça escandalosa desprendida de si mesma, some em meio à volúpia da minha próxima lembrança. Então, te esqueço — carinhosamente. Mas, de repente, num voo alado de pássaro surpreso, entro em mim pra te buscar. Se te encontro, a busca me alucina intensamente, e se me encanto, ao contrário, é meu verbo que engravida o teu espanto.
Acho que desta vez vou me apaixonar por quinze dias! Ou será que agora vai ser por toda a eternidade? Ou talvez por apenas duas ou três horas? Quinze minutos, quem sabe... Não sei. Realmente, não sei. E seria leviano de minha parte fazer esse tipo de promessa logo no início da relação. Até porque não sou eu quem determina o tempo, a intensidade e a duração dos meus amores: — é o meu próprio coração. Ele tem autonomia, é completamente livre, independente, e faz o que bem quer. Afinal, se eu todo sou livre, por que só meu coração não seria?
Ser normal é um desperdício.
Éramos dois como se fôssemos mais, e éramos tanto como se dois apenas. Então, a porta do meu peito se abriu como um sorriso delicioso que beijava o sol daquela tarde: as dobradiças não rangeram, não havia perfume de coisas antigas, não se crisparam as mãos. E o sorriso da porta cresceu de forma tranquila — e se fez palavra. Naquela tarde não houve sombras na minha espera.
Às vezes nós temos que desistir da nossa vida antiga. Das velhas relações. Das velhas emoções. Dos móveis quadrados que nos imobilizam... Porque às vezes a vida está só na vida nova.
A exclusividade não é natural. Não é inerente ao ser humano, não vem gravada no DNA. Se alguém diz que me ama, mas quer me controlar — em verdade não ama. Melhor comprar um bichinho de pelúcia, para dizer que é seu. Claro que se alguém tiver encanto que me pareça suficiente, eu lhe ficarei eternamente aos seus pés. Eternamente, ou pelo menos enquanto durar o fascínio. Portanto, se saio às vezes para alguns voos livres em vez de ficar no ninho, é sinal que esses voos me são mais engraçados, mais bonitos, mais necessários, ou mais interessantes do que a simples permanência no ninho. Então, como pode alguém culpar-me por ter asas? Desde quando é proibido gostar de voos livres?
Irresponsável... Irresponsável é aquele que não se aventura, não se joga inteiro no belo azul profundo da Vida. Irresponsável é aquele que só segue os caminhos já trilhados, e só visita os lugares que existem nos seus mapas. Irresponsável é aquele que se acomoda ou segue apenas o rebanho. Não corre mais riscos, não aspira ser mais, não deseja, não vibra, e pouco a pouco vai deixando até de sonhar. Não mais responde quando a vida o chama. Esse é o verdadeiro irresponsável: em vez de voar, chafurda no triste patético lodo do medo...
Nada mais belo do que mostrar ao inimigo que ele não nos pode vencer. E, para vencê-lo, não precisamos nem de grito, nem de força, nem de horror. Bastam a lógica, a inteligência, o amor.
Eu sempre me pergunto por que é que as igrejas evangélicas não publicam balancete. A gente dá o dízimo e não vê a prestação de contas. A gente só ouve o pastor pedir mais dinheiro, mais dinheiro e mais dinheiro — mas não vê a demonstração contábil da operação. Por isso, pretendo fundar uma Igreja diferente. Será uma sociedade anônima sem caixa preta. Quando o fiel se associar, se tornará um sócio, como em toda empresa que se preze. Teremos um departamento de contabilidade. Balancetes mensais serão publicados. Os Livros serão abertos... Os livros contábeis também — e não apenas a Bíblia. Todos os fieis saberão o destino de cada centavo do dízimo que derem. Não podemos deixar a responsabilidade pelas finanças a cargo apenas de Deus. Pois Deus tem outros afazeres. Bom lembrar que até Jesus contratou um contador... A nossa Igreja será devidamente registrada na Junta Comercial, e seu nome será Sociedade Evangélica do Amor a Deus. Ou Igreja Universal da Transparência Divina S.A.
Tenho que repetir sempre: é só disso que trato nos meus livros: ideias novas, sagração da liberdade, gramática do Amor e provocações inteligentes. Se você não gosta dessas coisas, nunca será meu leitor. Minha literatura propõe uma prática viva de Liberdade absoluta.
Le livre de la Liberté!
Segundo a Bíblia, Jesus ressuscitou após três dias da sua morte biológica, num processo de religação do seu corpo à sua alma. E na Páscoa celebra-se exatamente isto: a volta de Jesus ao mundo material, levantando-se do seu sepulcro, e ressurgindo perante Madalena, primeiramente (João 20:10-18). Esse retorno, essa passagem de volta a este mundo, essa ressurreição é comemorada na Páscoa. Tal concepção de ressurreição está na Bíblia, explicitamente, e é assim entendida por todos os teólogos e cristãos nos últimos dois mil anos. Mas eu defendo tese diferente. Para mim, a verdadeira ressurreição de Jesus foi quando Ele morreu. Quando ele deixou esta vida e renasceu para a outra. Para aquela de onde ele supostamente veio. Esta é a minha tese. Como Jesus foi criador de metáforas, um mestre das parábolas, entro no jogo dele e crio uma nova. Quando se diz “ressuscitar”, isso, segundo aqui proponho, quer dizer “renascer para a outra vida” — não para esta. Não é o retorno a esta, mas o retorno à outra. A Páscoa é a Passagem — desta vida para a Outra. Desta, em que Jesus viveu por trinta e três anos, para a Outra, de onde ele teria vindo. Nesse sentido, engana-se quem pensa que a ressurreição de Jesus significa o retorno do seu corpo a esta vida. Em verdade, Jesus ressurgiu para a outra vida: a vida espiritual. O corpo de Jesus, nessa perspectiva, não tem a mínima importância, pois não é o corpo que ressurge: é a alma que se liberta.
A Páscoa também está ligada aos antigos festivais da primavera (no hemisfério norte). Assim como em outras datas festivas já existentes, como o Natal, a Igreja aproveitou esses eventos e anexou-lhes algumas comemorações cristãs. Deu-lhes formas novas. Um método inteligente de fazer propaganda, pois começar do zero uma comemoração grandiosa custaria muito. Nesse período também os judeus já comemoravam seu êxodo do Egito durante o reinado do faraó Ramsés II, quando os judeus passaram da escravidão à liberdade. Uma belíssima metáfora. Tal qual Jesus saindo da escravidão do corpo e passando para a liberdade do mundo espiritual. Ou seja, de acordo com essa minha concepção, quando morremos biologicamente é que ressuscitamos. A morte, repito, é a Passagem. A morte é a Páscoa. A morte do corpo — entenda-se. Nesse sentido, portanto, a verdadeira ressurreição de Jesus aconteceu ainda na Cruz, e não no sepulcro, três dias depois, como está na Bíblia, e como erradamente dizem os teólogos, padres e pastores. Aliás, eu não creio nadinha nessa história de um corpo físico, morto, voltar à vida!
A Bíblia relata dez casos de ressurreição: três no Antigo Testamento e sete no Novo. A Bíblia (em Mateus 28:5-6) diz claramente que Jesus ressuscitou dos mortos: "Mas o anjo disse às mulheres: Não temais vós; pois eu sei que buscais a Jesus, que foi crucificado. Não está aqui, porque ressurgiu. (...) Vinde, vede o lugar onde jazia." Ou seja, segundo a Bíblia, o corpo deixou o sepulcro e viveu novamente. E depois teria sido visto, andando, por muitas pessoas, incluindo Madalena e os apóstolos. E por mais quinhentas pessoas não sei onde.
Eu estava revisando o Sermão da Montanha, mas achei melhor fazer outro. Vou escrever o Sermão da Cordilheira. Claro que isto é só uma respeitosa brincadeira. Entretanto, como considero o Sermão da Montanha a coisa mais interessante da Bíblia, não descarto a possibilidade de um dia vir a escrever-lhe uma versão mais poética. E mais moderna...
Tomar café ouvindo pássaros é uma Arte. E eu fico aqui, agora, conversando com Jesus e descobrindo maravilhas. Ele me conta algumas coisas sobre a Páscoa, esse dia santo mais importante da religião cristã. Ele me diz que ressuscitou na própria cruz em que morreu, e não três dias depois, lá no sepulcro, como relata a Bíblia e como erradamente entendem os teólogos. Vou escrever sobre isso mais tarde. Coisas que vocês deveriam contar às suas crianças — antes de lhes dar um ovo de Páscoa. Pois um ovo recheado de cultura e alegria fica muito mais interessante.
Ela me ensinou a pecar sem culpa — isso eu jamais esquecerei. Tinha um pé de café lá no fundo do quintal, ao lado de uma roseira, e eu ficava colhendo só os grãozinhos vermelhos, que eram bem doces. Havia também um velho torrador de manivela meio enferrujado, um fogão de lenha limpíssimo, e muitas histórias de amor. E uma ciência sutil que só as mulheres eleitas por Deus conseguem ter. Tem mais uma coisa sobre minha vó Vitalina. No dia em que voltei da Primeira Comunhão, ela me abençoou duas vezes com o sinal da cruz na minha testa, me abraçou, deu parabéns, assou um pedaço enorme de queijo na palha de milho, tomou um gole demoraaaaado de café — e me deu um conselho inesquecível: Quando a Tentação do Pecado passar por você — e for um pecado muito gostoso, que não faz mal a ninguém — você tem um único caminho a tomar: Pense em Deus, ponha a mão no coração, olhe para os lados... e... peque!
Minha proposta é a Liberdade Absoluta. Eu venho é para semear razões, quebrar paradigmas, romper limites e derrubar padrões. Não trago nenhuma resposta pronta: só faço perguntas. Eu quero é mexer na tua cabeça, por fora e por dentro — poeticamente. Fazer um cafuné maluco e delicioso nos teus neurônios enrolados. Passar um pente fino nos caracóis da tradição. Quero questionar tuas verdades mais queridas. Chacoalhar tuas convicções. Não vim portanto te propor sossego — nem venho te trazer a paz... Eu te convido a ter coragem. Eu te convido a um salto profundo em direção à Vida.
Abandone-me no Pico, por favor. Não permita que eu despenque — agarrado ao teu Amor.
Ela sempre tinha sede à noite. E eu deixava uma garrafinha dágua ao lado da cama, para quando me pedisse. Ela então tomava de olhos fechados, sonolenta e graciosa. Às vezes babava umas gotinhas que brilhavam nos seus lábios fascinantes. Depois, agradecia sonhando e voltava a se deitar, sussurrando alguma coisa como eu te amo meu amor... Era Joyce Ann — ao meu lado. De dentro.
Enquanto a espiritualidade não for matematizável, ela não poderá ser cientificamente defendida. Temos que retirar a espiritualidade do âmbito da religião. Quem deve se ocupar disso, num primeiro momento, é a Filosofia. Enquanto a Teologia mantiver o falso direito de exclusividade sobre o Espírito, não chegaremos a nenhum resultado logicamente aceitável. Porque a Teologia se utiliza de dogmas para elaborar seus conceitos — e dogmas são totalmente inaceitáveis pela Ciência. A Ciência constrói seus postulados com base em evidências quantificáveis, verificáveis. Mesmo quando a Ciência trabalha com hipóteses, estas devem ser plausíveis. A Teologia aceita como verdade até mesmo aquilo que pertence ao campo da Feitiçaria. Já a Ciência requer comprovação empírica. E a Filosofia é que deve fazer a ponte para que o Espírito se desloque para o campo da Física. Sem isso, essa energia que eu suponho ser o Espírito vai continuar sob o domínio dos pajés e dos pastores — geralmente incultos. O que será péssimo para o desenvolvimento futuro da Humanidade.
A hipótese do Espírito é magnífica. A ideia de Deus como energia é grandiosa. Deus pode ter massa e pode ser explicado por uma equação escrita por Einstein. Deus pode ser matéria. Deus pode ter mil elétrons na última camada. Deus pode ser apenas mais um elemento químico na Tabela Periódica! Como se vê, esse é um assunto sério demais para continuar fora do âmbito da Ciência.
Inferno é apenas uma metáfora que expressa a Infelicidade. Só habita o coração dos infelizes. Da mesma forma, e ao contrário, Céu quer dizer Felicidade. Os felizes já estão no Reino de Deus. Porque nem céu nem inferno são lugares para onde os humanos vão depois da morte biológica. São os diferentes estados de espírito que cada qual de nós consegue, conforme a própria inteligência.
Paritosh Keval.